A ANFAJE emitiu ontem um comunicado de imprensa manifestando a sua estupefacção relativamente à aprovação em Conselho de Ministros, do passado dia 20 de Fevereiro, de um diploma que “estabelece um regime excepcional e transitório a aplicar à reabilitação de edifícios ou de fracções, concluídos há pelo menos 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana, sempre que estejam afectos ou se destinem a afectar total ou predominantemente ao uso habitacional”.
No comunicado, já divulgado pela Agência Lusa, a ANFAJE afirma que “é estranho que após a entrada em vigor da nova regulamentação relativa às condições do comportamento térmico dos edifícios e do seu desempenho energético – o Decreto-Lei n.º 118/2013 para cumprimento da Directiva Europeia n.º 2002/91/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, se venha agora criar um “regime excecional” onde estão previstas “situações excecionadas” ao nível da aplicação de requisitos acústicos, eficiência energética e instalações de telecomunicações”.
A ANFAJE considera que com este diploma se está a dar um passo atrás na necessidade de dinamizar políticas de reabilitação urbana que tenham em conta a necessidade de aumentar a qualidade e o conforto térmico e acústico do parque edificado português. Um passo atrás na necessidade de Portugal ter técnicos qualificados, renovar os velhos saberes e competências existentes, apostar na qualificação da mão-de-obra e executar obras com padrões de conforto térmico e acústico que contribuam para os portugueses viverem melhor e pouparem na sua factura energética.
Num país onde existem cerca de 3 milhões de fogos com paredes sem qualquer isolamento térmico e acústico e com caixilharias antigas de madeira e/ou alumínio sem ruptura da ponte térmica com vidro simples, é necessário que as medidas e políticas de incentivo à reabilitação dos edifícios sejam um factor de aumento da qualidade da construção existente e não um factor de desresponsabilização dos técnicos e empresas envolvidas ou de contribuição para o retrocesso no controlo de emissões de CO2 e de criação de impactos ambientais negativos.
Ainda no comunicado, pode ler-se que a ANFAJE não entende como se pretende avançar com um diploma desta natureza quando este vem contrariar o PNAEE – Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética, recentemente revisto e aprovado, onde se prevê a necessidade da execução de medidas de incentivo à melhoria das condições de conforto térmico dos edifícios. No caso das janelas antigas, o FEE – Fundo de Eficiência Energética tem mesmo vindo a apoiar a substituição de janelas antigas por novas janelas eficientes, cumprindo requisitos técnicos de eficiência energética.
Ao contrário do que refere o Governo, políticas activas na área da reabilitação urbana não avançam pelo facto de existirem leis, regulamentos e normas técnicas que têm de se aplicar aos projectos de arquitectura e engenharia e à construção de edifícios. Bem pelo contrário. A existência de disposições e requisitos técnicos obrigatórios asseguram que a reabilitação de edifícios se faça com base na qualificação dos projectos, na qualidade dos materiais e nas técnicas de construção aplicadas e na qualificação das empresas de construção responsáveis pela obra.
A ANFAJE desconhece ainda qual o estudo ou estudos em que o Governo se baseia para afirmar que os custos totais das obras baixarão em 40% se não forem cumpridas as “disposições técnicas” existentes…Só se for o custo por m2 de construção destinada a habitação social…Fazer obras de reabilitação sem ter em conta requisitos térmicos e acústicos, é poupar hoje para gastar amanhã. Amanhã ter-se-á de reabilitar de novo os edifícios reabilitados hoje.
A ANFAJE estranha ainda que o objectivo seja a aplicação deste diploma a edifícios “ concluídos há pelo menos 30 anos…”. Então vamos reabilitar hoje para daqui a 10, 20, 30 anos estarmos a reabilitar de novo? Porque continuamos a não entender o conceito e a diferença entre o custo inicial da construção e o custo ao longo do ciclo de vida do edifício?
A ANFAJE considera ainda que uma “liberalização” das regras e normas da construção não pode significar um “vale tudo”, servindo apenas para “lavar a cara” aos edifícios velhos, sem que estes reúnam quaisquer condições técnicas de conforto térmico e acústico.
Se é certo que alguma legislação existente está obsoleta (o Regulamento Geral das Edificações Urbanas – RGEU data de 1951!), existem outros que são novos regulamentos técnicos ao nível do isolamento térmico, acústico e de eficiência energética que protegem os arrendatários/proprietários da qualidade da construção dos edifícios.
Portugal necessita de um Código Técnico da Construção que reúna toda a regulamentação técnica existente, diplomas avulsos, portarias, etc., tal como existe na maioria dos países da União Europeia. Nesse futuro código seria assim possível a definição de requisitos especiais ou “excepcionais” a aplicar aos diversos tipos de edifícios quando se está perante obras de reabilitação, definindo e atribuindo responsabilidades claras aos diversos agentes envolvidos.
A ANFAJE estranha ainda que o Governo aprove um diploma desta natureza sem auscultar as associações empresariais da fileira da construção, dos materiais de construção e da eficiência energética. Neste sentido, a associação defende a criação urgente de um grupo de trabalho que envolva todas as associações da fileira da construção, dos materiais de construção e da eficiência energética para, em conjunto com o Governo, possam ser desenvolvidas medidas e políticas activas para a reabilitação dos edifícios portugueses, sem comprometer o cumprimento de requisitos técnicos da qualidade da construção.
Em suma, o objectivo do comunicado é transmitir a posição da ANFAJE perante a Resolução de Conselho de Ministros: “Portugal necessita de uma aposta na reabilitação urbana com políticas e medidas que melhorem o conforto térmico e acústico dos edifícios portugueses, criando riqueza para as empresas e para a economia portuguesa e seguindo princípios orientadores da aplicação de boas práticas ambientais e de construção sustentável. Portugal não necessita de “regimes de excepção” em que possam premiar o “vale tudo” na reabilitação de edifícios antigos”.